sábado, janeiro 28, 2006

FILME: Espionagem na Rede (Demonlover)


A última crítica que fiz para o curso. O Francis considerou a melhor das três que escrevi. Até acho que ele tem razão. Mas se engana quem pensa que o tamanho maior (quase 3000 toques) facilitou minha vida. Pelo contrário, deu um trabalhão, mas foi gratificante.

O Francis elogiou principalmente o fato deu ter dado conta do filme sem a pretensão de querer esgotá-lo. Mesmo assim perguntei para ele de algo que considero um defeito em minhas críticas, não apenas em Demonlover. Acho meus textos racionais demais, contidos, sem emoção. O Francis completou dizendo que essa crítica em especial não deixa exatamente claro o quanto gostei do filme, só que gostei. Desconfio que essa afirmação vale para meus outros textos também. Mas Francis disse que isso é algo da experiência de cada um e pode mudar com o tempo. De qualquer modo, falou que não acha isso um problema intolerável numa crítica.

Espionagem na Rede (Demonlover, 2002, de Olivier Assayas) – ****

Na época (2002) de seu lançamento Demonlover foi considerado confuso e excessivo. Mas o mundo era (e ainda é) confuso e excessivo. O filme tem uma pretensão cada vez mais rara no cinema atual: captar o espírito de seu tempo. Ainda mais raro: essa pretensão é bem sucedida. Desde que você aceite suas imagens como elas são. Excesso de imagens, assim é Demonlover: filme, desenho animado, videogame, Sonic Youth. Demonlover capta o zapping de nosso mundo. Vê-lo é como assistir TV pulando de canal em canal. No canal 1 temos Connie Nielsen, canal 2 Chloë Sevigny, canal 3 Gina Gershon. Pelo menos a programação é boa.

Demonlover é excessivo para não criticar essas imagens do alto de um pedestal. "Esse mundo de imagens é feio e degradante", outro cineasta poderia dizer. Já Olivier Assayas entra nesse mundo para entendê-lo por dentro. Mas será que é possível entendê-lo? Esse é o dilema de Assayas e da personagem de Nielsen. Ela é uma executiva brutal negociando uma parceria de sua empresa com a Demonlover, produtora de animações pornográficas. Mas ela trabalha secretamente para outra corporação, para arruinar essas negociações. Já a Demonlover parece fachada para um site ilegal de tortura ao vivo. Ou talvez a verdade seja outra, mais secreta. Ninguém tem certeza, nem Assayas.

Lembra Em Boa Companhia (2004), de Paul Weitz, onde empresas são compradas e vendidas. Os personagens principais, simples funcionários, perdem e ganham empregos sem saber porquê. Não entendem nem estão no controle dos acontecimentos. Demonlover é igual, mas vai mais longe. Nenhum personagem entende o que está acontecendo. Nem o espectador. As inúmeras elipses ocultam explicações de roteiro. A história torna-se incompreensível e prevalece a lógica do pesadelo. Não estamos no território do consciente. Numa seqüência tensa, Nielsen mata uma concorrente mas acorda subitamente em seu quarto. Foi um sonho?

Desse modo questionamos as imagens de Demonlover... e fora dele. Quando alguém dentro do filme vê uma tortura ou um videogame, assimila essa imagem sem problema. Mas nós estamos vendo essas imagens. Como devemos reagir a elas? Nós é que devemos tomar posição diante da poluição visual de Demonlover. Pois Assayas não empurra respostas. Ele prefere as perguntas e as sensações. Sua câmera capta o espírito de cada ambiente. Comporta-se de acordo com o lugar. Tensa em salas de reuniões. Morta em hotéis. Quando chove o filme parece chorar. Já os espaços são filmados como não-lugares. Até os países visitados parecem iguais.

Estamos numa época em que fronteiras culturais caíram, pois as imagens são iguais para todos. Resta desorientação, a sensação de pertencer a lugar nenhum. A barreira entre pessoal e profissional também ruiu, como na relação entre Nielsen e um colega (Charles Berling). Mas momentos entre eles são raras demonstrações de afeto. Aí a câmera enfim relaxa. Afeto contrapondo desorientação, parece Encontros e Desencontros (2003) de Sofia Coppola. Mas o calor humano está sumindo. No fim de Demonlover o mundo torna-se um shopping center de imagens. Um lugar onde o consumidor é consumido. Cheque ou cartão?

27.01.2006 ___________________________________________________________

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