sexta-feira, novembro 23, 2007

Os Donos da Noite

(James Gray, 2007)

Os Donos da Noite inverte nossas expectativas, começando com uma seqüência de fotos verdadeiras retratando ações policiais (prisões e apreensões) para mostrar em seguida uma mulher, Eva Mendes, masturbando-se diante do namorado Bobby Green (Joaquin Phoenix, soberbo). Onde está a polícia? A cena flutua em câmera lenta ao som de "Heart of Glass" da Debbie Harry. Estamos em outro filme, infinito enquanto dura. Bobby acaricia a namorada e diz que se morresse agora seria o homem mais feliz do mundo – ao longo do filme ele vai preferir que seu desejo tivesse sido atendido.

Essa cena é interrompida pelo restante do filme – Jumbo, o melhor amigo de Bobby bate na porta do casal. O trio está na boate El Caribe, "Heart of Glass" está tocando no local e o ano é 1988. Aos poucos o cineasta James Gray põe em cena a delicada teia de relações afetivas e amorosas de Bobby. Ele vai se casar, tem um amigo que age como irmão e é gerente do El Caribe, cujo proprietário é como um pai pra ele. Bobby é o dono da noite – assim ele pensa.

Sua crença começa a ser abalada quando vai visitar sua verdadeira família, composta pelo irmão (Mark Wahlbergh) e pelo pai (Robert Duvall) – ambos policiais. Nessa seqüência, uma confraternização de policiais na igreja local, fica claro que por sua independência e estilo de vida Bobby é a ovelha negra de sua família de sangue. A igreja marca o começo de sua dolorosa conversão espiritual. Seu pai o alerta que a máfia russa ronda o El Caribe e há uma guerra acontecendo entre a polícia e os bandidos, com os quais a "família" adotiva de Bobby está mais envolvida do que ele imagina. Nessa guerra o filho pródigo terá que escolher um lado.

Encima do muro que separa suas duas famílias – a do crime e da lei & ordem – Bobby faz sua escolha. O que nas mãos de um diretor qualquer seria um conto moralista se torna uma tragédia metafísica pra James Gray. Só é possível entender esse aspecto de Os Donos da Noite prestando atenção no rosto dos atores, especialmente no de Joaquin Phoenix. Pois toda escolha implica em perdas – e Bobby sofrerá muitas das duas famílias. Sua onda de infortúnios atinge o ápice numa perseguição de carros sob chuva pesada filmada em tom de pesadelo e com agressividade inédita. A câmera praticamente não abandona o interior do carro de Bobby e o volume de água sugere seu afogamento espiritual.

Da água pro fogo: esse trauma evapora no desfecho – um tiroteio numa plantação em chamas que poderia ter sido filmado por Andrei Tarkovsky – quando Bobby enfim purifica seus medos e dúvidas. Contudo, no epílogo, se olharmos o rosto de Bobby perceberemos que consciência limpa e felicidade são duas coisas que nem sempre caminham juntas. Resta, no comovente plano final, o amor da família: será isso suficiente?

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