segunda-feira, setembro 22, 2008

Clientes inesquecíveis # 2

Era uma tarde movimentada na Livraria, talvez um sábado ou domingo. Eu estava no caixa quando recebi uma ligação do térreo para ficar de olho no cliente de mochila aberta que estava subindo.

Nessa época eu já sabia perceber quando um cliente é encrenca em potencial. Não recebi treinamento especial pra isso. É um instinto que você ganha após trabalhar alguns meses no comércio. Discretos ou excêntricos, simpáticos ou chatos, alguns clientes simplesmente disparam seu desconfiômetro. Eles devem emitir algum sinal que a gente capta de maneira inconsciente. Talvez através de linguagem corporal ou exalando um odor diferente. Seja o que for, surge uma voz na sua cabeça: “De olho nele!”

O cliente de mochila aberta que subiu as escadas naquele dia era do tipo excêntrico. Mas não era a mochila ou a roupa (sandálias, pijama e quepe) que gerava desconfiança. Clientes assim entram aos montes todos os dias lá. Era algo invisível, que despertava aquela voz na cabeça que mencionei antes. Dessa vez, muito mais alta do que de costume. Apesar da cara sonolenta, ele era assustador. O sujeito andou até o final do andar e sentou-se silenciosamente num sofá. De frente pro nosso caixa. Alertei com um bilhete a colega ao meu lado. Não foi necessário – ela também tinha uma voz na cabeça.

Nós dois continuamos com nosso dever. Dentro do caixa, atendíamos os diversos clientes daquela tarde – sem nunca perder de vista nosso homem. Não havia nada perto daquele sofá para ser roubado, mas essa logo deixou de ser nossa preocupação. O homem permanecia imóvel enquanto ficava nos encarando com um rosto inexpressivo. Os minutos se arrastavam enquanto o desgraçado permanecia na mesma posição, com o mesmo olhar. Talvez esperasse uma distração nossa. Talvez saboreasse nosso medo. Talvez estive se comunicando com homenzinhos verdes. Talvez.

Voltei a ouvir minha voz interna: “E se ele puxa uma metralhadora aqui mesmo?” Minha morte ficaria legal num filme do Gus Van Sant, mas o provável é que virasse assunto pro Bruno Barreto. Finalmente, 15 minutos depois, o idiota se levanta e se dirige a escada. Passa por mim e eu respiro aliviado. “Vocês têm Tristão & Isolda?”, era o psicopata, espreitando atrás de meu ombro! “O filme?” Ele foi incisivo: “a música” Pesquisei no computador. Felizmente não tínhamos nenhuma versão de Tristão & Isolda. Ele agradeceu e foi embora. Dentro de seu cérebro, lesado no útero ou pelo tempo, havia espaço para cultura. ___________________________________________________________

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